terça-feira, 6 de outubro de 2015

UMA BIBLIOTECA EM CADA MINICÍPIO DE MATO GROSSO DO SUL - 06.2006



UMA BIBLIOTECA EM CADA MINICÍPIO DE MATO GROSSO DO SUL - 2006


Ensaio do poeta Marcello Ricardo Almeida
(
marcelloricardo@bol.com.br)



Uma biblioteca em cada município de Mato Grosso do Sul. Os escritors sul matogrossenses são muitos, muitos intelectuais que honrariam quaisquer lugares do mundo; esta luz continua embaixo da mesa. Tenho insistido em minhas palestras, criação de escolas de escritores, encontros, simpósios, festivais de poesia, concursos literários e premiações para que esta luz seja levada para cima da mesa. A imagem de Mato Grosso do Sul não pode continuar sendo as faces da violência (a tragédia) e do analfabetismo (a comédia). Todos nós temos uma grande dívida com Mato Grosso do Sul. Para solvê-las, muitas caixas de livros ainda terão que ir de mãos em mãos. Uma academia de letras é uma instituição de grande responsabilidade social; a imortalidade de seus acadêmicos não representa um tácito contrato com Deus para imortalizar os intelectuais em suas cadeiras perpétuas. O pai de Capitu, Machado, co-fundador da primeira de nossas academias de letras, quis moralizar o escritor; as academias de letras depois de Machado de Assis se justificam se concorrer para moralizar a sociedade.

O sertão, de onde eu venho, continua sedento por livros, sedento também o litoral, aonde eu fui. O que impede, em pleno século XXI, uma biblioteca em cada município de Mato Grosso do Sul? Entregue as chaves dessa casa do saber às mãos de um grêmio literário, de uma agremiação estudantil, de um padre, de um grupo de teatro, um pastor, uma boa alma. Estimular intelectuais de Mato Grosso do Sul a manterem ininterruptos contatos com essas sementes de livros (bibliotecas espalhadas em todos os municípios. Vamos desenterrar os talentos. Fazer os líderes políticos e religiosos acreditarem que o Paraíso é um lugar cheio de bibliotecas), oxigenando-as com ilustres visitas de dramaturgos de Mato Grosso do Sul, poetas, contistas, ensaístas, roteiristas, cronistas, juristas, romancistas. E Mato Grosso do Sul passe a ter a lembrança desses intelectuais que honrariam quaisquer lugares do mundo; e que eles sejam modelos em lugar da violência e do analfabetismo.  O que atrai? A vampirização dos noticiários? O que atrai? Ninguém em Mato Grosso do Sul publica mais um livro? Ninguém mais estréia um filme, uma peça de teatro? O que atrai? Ninguém mais inaugura uma exposição? O que atrai? Por que nunca mais se festejou a construção de uma outra universidade? O que atrai? Não se inaugura mais um museu?

Aonde anda a multiplicação do número de boas escolas públicas? Continuará utópica a democratização do saber? Estamos no século XXI. O século da erradicação da miséria humana. Os nômades do deserto africano não acreditavam no fim da escravidão, mas a escravidão chegou ao fim até mesmo àquelas caravanas de camelos e homens antigos que ainda hoje caminham no Tenerê como fizeram seus antepassados há centenas de anos.

O livro publicado em Campo Grande consegue atravessar a ponte? Quem conhece quem, se atravessar à ponte? Não se sabe. O livro publicado por um poeta de Água Clara, dificilmente será conhecido em Corumbá. Se um romance nasce em Bodoquena, ou em Coxim, como consegue atravessar a ponte se continua “inédito” em Ponta Porã? Como chegar o livro às mãos do povo sem bibliotecas? Quem conhece quem, se atravessar à ponte? Não se sabe. Ao menos consegue atravessar a rua? Não, ainda assim; o vizinho da frente desconhece a escritura do vizinho de porta. E a literatura de quem escreve consegue atravessar a calçada? Há quem não tenha certeza. Às vezes, a boca está cheia de um Ginsberg ou de outros intelectuais estrangeiros, ídolos de pano que nunca ouviram falar o que se escreve ao sul de Mato Grosso. Mas os adoradores de Caramuru salivam ao pronunciar Shakespeare, pronunciar Joyce, pronunciar Kafka, pronunciar Brecht, pronunciar Elliot, cumming, Rimbaud, Whitman; e dizem muitas partes de seus livros numa decoreba típica de quem sofre do Complexo de Caramuru. Eles elogiam Fausto, de Goethe, mas se enojam dos poetas de cordel. Será que escritores de lá têm os nomes dos escritores de cá na ponta da língua? Quantos, aqui mesmo, conhecem quantos dentro das páginas de Mato Grosso do Sul? Mato Grosso do Sul estuda a sua Literatura desde o ensino fundamental ao universitário?

Quem imortaliza os acadêmicos de uma academia de letras? Seus livros indo de mãos em mãos. Sidrolândia continua sedenta por livros. Todas essas nossas academias de letras têm o compromisso em levar os livros de mãos em mãos. O que impede, em pleno século XXI, uma biblioteca em cada município? Existem verbas municipais, estaduais e federais para a criação de museus, escolas e afins; investimentos da iniciativa privada existem. Mediante projeto, cada município, com ou sem inesquecíveis intelectuais que honrariam quaisquer lugares do mundo, vai sonhar; e, aos poucos, as duas faces (tragédia e comédia) violência/analfabetismo não mais irão amedrontar as ruas porque serão outros os modelos a serem seguidos. E cada munícipe (hoje aos oito anos em idade, daqui a uma década terá 18) fará o seu caminho caminhando.

É correto afirmar que muitos livros são espécies de clarões para quem ler ou escuta falar a respeito deles. Quem planta um livro, quem acende esta luz, o primeiro a ser beneficiado é o agricultor, o primeiro a ser iluminado é quem acende a luz. Algumas crianças descobrem a existência dos livros em A Cachoeira de Paulo Afonso, outras em Grande Sertão: Veredas, ou ainda em Vidas Secas, ou quem sabe em João Urso, ou em Infância. Infância de cada um é cheia de surpresas e cabe, desde ontem, fazer com que essas surpresas (habitantes das bibliotecas) sejam as melhores possíveis.
 

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> O poeta Marcello Ricardo Almeida, advogado e dramaturgo (http://teatrofeijaocomarroz.zip.net), em parceria com seu irmão Morche, foi várias vezes premiado pelo método “Teatro-Feijão-Com-Arroz”. É autor da peça DEBAIXO DA PONTE, representada em inúmeras cidades brasileiras. (Revista da SBAT-513). Em Florianópolis, coordenou em 2003 e 2004 o I e II Festival Nacional de Poesia. Nasceu em 1961, em Santana do Ipanema, AL. Preside a Federação das Academias de Letras do Estado de Santa Catarina. Autor de 44 livros e 120 peças teatrais. Segundo a professora Tânia Regina de Oliveira Ramos, do Conselho Editorial da EdUFSC, seu livro “Que achas do padre beber em serviço?”, EdUFSC, 2004, é marcado pela ironia, pela graça e pelo humor inteligente e acessível, principalmente no que se refere à crítica social. Silveira de Souza, da Academia Catarinense de Letras, comenta que o jeito de narrar do contista Marcello Ricardo Almeida dá a fatos do cotidiano uma atmosfera um tanto onírica, como se praticasse uma bruxólica mistura de gêneros. O toque transformador de Marcello: um cotidiano narrado em linguagem sui generis, na qual mistura o grotesco, o onírico, o real, o fantástico, o humor, o satírico e o trágico. Um estilo singular. Com seus neologismos, onomatopéias, expressões coloquiais, junções de palavras e descrições inusitadas. Há um humor que perpassa todas as páginas. Numa linguagem contundente pelo sarcasmo, na qual sobressaem situações grotescas. As palavras conscientemente se deturpam. Na verdade, será perda de tempo especular-se a propósito de gênero literário quando se trata de Marcello Ricardo Almeida. (marcelloricardo@bol.com.br)

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